Introdução

Car@ especializando,
É provável que durante sua trajetória de trabalho na atenção básica do SUS, em especial na ESF, você tenha percebido o quando a organização – ou a falta dela – da unidade básica, da estrutura de agendamento e “acolhimento”, da disponibilidade de prontuário e da qualidade da informação nele presente, entre outros tópicos, afetam a qualidade e o bem estar no dia a dia de trabalho.
Para o profissional que atua nesse nível de atenção, dedicar especial cuidado para aspectos administrativos e organizacionais da prática clínica é fundamental para uma melhor assistência aos usuários do serviço e satisfação pessoal com o trabalho.
Adicionalmente, com a implantação do E-SUS, foi introduzido um novo formato de registro de atendimento através do SOAP e registro baseado em problemas, além da utilização alternativa ao CID para codificação dos problemas/doenças, o CIAP-2 (Código Internacional para Atenção Primária).
Dessa forma, nesta unidade, serão apresentados conceitos e outros aspectos fundamentais para auxiliá-lo a entender, atuar e melhorar a gestão de sua prática profissional. Discutiremos algumas ações e ferramentas que são fundamentais para a boa prática clínica do médico especialista em MFC e outros profissionais inseridos na APS, com enfoque na sua atuação na ESF: os aspectos gerais de uma consulta clínica, o Registro Clínico Orientado por Problemas (RCOP) e o formato de registro SOAP, o prontuário familiar, as visitas domiciliares, o trabalho em equipe e a organização da rotina.

Aspectos conceituais

A organização e o registro da prática clínica na Atenção Primária à Saúde (APS) têm especificidades oriundas dos atributos essenciais derivados do modelo de Atenção à Saúde (Figura 1), que difere dos formatos tradicionalmente empregados na atenção subespecializada e hospitalar. O Médico de Família e Comunidade (MFC) e as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) devem se familiarizar e incorporar essas novas formas de organização e registro em seu processo de trabalho cotidiano (ROMAN, 2009), a fim de prover cuidado efetivamente centrado nas pessoas, nas famílias e nas comunidades de seu território.


Além desses atributos, a Medicina de Família é regida por quatro princípios fundamentais:

  • 1) O Médico de Família e Comunidade é um profissional qualificado;

  • 2) A prática da Medicina de Família é influenciada pela comunidade;

  • 3) O Médico de Família e Comunidade é um recurso de uma população definida; e

  • 4) A relação profissional-pessoa é fundamental no desempenho do Médico de Família e Comunidade.

Todos os princípios são igualmente importantes para a prática clínica, além de compostos por ações. Nenhuma dessas ações é exclusiva dos Médicos de Família, entretanto, quando usadas em conjunto, representam uma visão distinta, um sistema de valor e uma abordagem dos problemas, que é diferente da identificável em outras disciplinas ou especialidades. Há um foco no indivíduo e na família, mas também um foco voltado para a comunidade. Esses dois focos devem existir de forma integral, contextualizada e resolutiva.

A Medicina de Família e Comunidade não é a soma dos conhecimentos das demais especialidades, pois ela tem um corpo de conhecimentos próprios e se utiliza dos existentes em outras áreas de acordo com a realidade e a necessidade da prática, que varia conforme local de trabalho e habilidade do médico e profissional da APS.

A prática clínica na APS e, portanto, na ESF, pode ser entendida dentro de um conjunto integrado e articulado de atividades e ações que visam promover Atenção Integral à Saúde. Dentre elas podemos listar (RAMOS, 2008):

  • Gestão do Processo Clínico Individual: compilação e organização de dados e informações clínicas que permitam ter um conhecimento razoável, e a cada momento, da situação de saúde de cada pessoa do território adscrito. Inclui a abordagem clínica individual e a consulta em si, seja na Unidade de Saúde ou no domicílio da pessoa;

  • Gestão do Processo Familiar: entende a família como um sistema complexo e aberto, e aplica conhecimentos e métodos de análise da sua estrutura e dinâmica, identificando sua história e ciclo de vida, recursos e problemas. Inclui a abordagem familiar;

  • Gestão da Prática Clínica: diz respeito à organização em equipe dos cuidados às pessoas, famílias e comunidades do território. Inclui:

    • a gestão dos períodos de consulta;

    • a acessibilidade às ações e serviços da unidade, incluindo o processo de acolhimento;

    • o cuidado aos grupos com necessidades especiais;

    • a organização dos cuidados preventivos e de promoção da saúde;

    • a coordenação, a articulação e a integração das ações de cuidado individual e coletivo com as outras unidades e serviços da rede regional de saúde, como também com recursos e equipamentos próprios da comunidade; e

    • a avaliação de processos e resultados com vistas à efetividade e à melhora da qualidade do cuidado, incluindo a promoção das melhores práticas e a educação permanente dos profissionais, a gerência de riscos organizacionais e clínicos e a utilização contextualizada das evidências e protocolos clínicos.

    Como já dissemos, essas diversas atividades e ações relacionadas à prática clínica são condizentes com as características próprias do modelo de cuidado da APS e da ESF, envolvendo métodos e registros específicos para a sua organização.

    De maneira geral, envolvem (STANGE et al., 2010) uma capacidade organizacional que leva em consideração: o manejo das condições agudas e crônicas de saúde; a coordenação do cuidado dentro da equipe e, quando necessário, com os outros equipamentos da rede de saúde, e também com os recursos próprios da comunidade e do território; a organização do registro clínico; e a avaliação e a melhora da qualidade da atenção. Mais especificamente, envolveriam o acesso e a comunicação “serviço-pessoa” e/ou “profissional-pessoa” (face a face ou a distância, por meio de contatos telefônicos ou visitas domiciliares, por exemplo), além da provisão e da coordenação de serviços e ações intra e extra-unidade de saúde, que atendessem às necessidades de saúde das pessoas, das famílias e do território.