Introdução

Raras são as pessoas que não tenham qualquer história de insatisfação em relação aos profissionais de saúde. Na maioria das vezes, as queixas sobre o atendimento dizem respeito a falhas de comunicação com o profissional: a inabilidade em acolher e escutar o suficiente para tirar conclusões; a utilização de jargão excessivamente técnico e pouco compreensível ao ouvinte; ou mesmo certa frieza demonstrada pelo profissional diante da situação global de vida do paciente.

No contexto da Estratégia Saúde da Família, a comunicação possui importância ainda maior. É fundamental conquistar e manter vínculo com as diversas famílias do território de saúde, visando à realização do cuidado em acordo com os princípios da universalidade, da longitudinalidade e da integralidade do SUS. Somos a porta de entrada do sistema e nos encontramos expostos às mais diversas demandas, queixas e pedidos da comunidade.

Para problematizar ainda mais nosso papel, devemos lembrar que as famílias, na maioria das vezes, foram historicamente educadas segundo: o paradigma assistencialista centrado na dor/doença; a crença na cura mágica pelo acesso aos equipamentos de última geração do hospital; e a fé na histórica figura do médico, que teria o poder quase divino de salvar vidas. Nesse universo, portanto, não é nada fácil a tarefa de coordenar as ações de cuidado às famílias de acordo com as possibilidades apresentadas pela equipe e pela rede de serviços.

No nível da Atenção Primária, não possuímos acesso a esse campo das "curas imediatas", desejado pela população. Nossa clínica é diferente, pois trabalhamos de acordo com outro modelo assistencial – visando à promoção e à prevenção de saúde, apostamos nas mudanças de hábitos de vida e na transformação sociohistórica e participativa dos determinantes de saúde. Construímos nossas práticas a partir do princípio da integralidade do atendimento, unificando nossos olhares sobre as mais complexas dimensões do contexto bio-psico-social familiar e comunitário, por meio da soma de esforços da equipe interdisciplinar.

Ao lidar com o complexo contexto social, ambiental, histórico e humano do território de saúde, ampliamos nossa visão, e a equipe passa a ser uma instância estratégica de atuação, mais do que apenas um profissional específico – por exemplo, o médico. Nesse contexto, as tecnologias leves de cuidado passam a ter elevada importância, pois passam a fazer parte dos nossos objetivos:

  • a capacidade de diagnóstico precoce visando à prevenção de agravos;

  • a capacidade de reconhecer situações socioambientais que comprometam a saúde;

  • a capacidade de estabelecimento de vínculo visando à transformação;

  • a capacidade de sensibilização;

  • a capacidade de motivar para adesão aos cuidados à saúde;

  • a capacidade de educar a comunidade fortalecendo o seu empoderamento, para a construção ativa e participativa do SUS.

As tecnologias leves se encontram em contraste com as tecnologias pesadas, tais como os equipamentos especializados, de última geração, presentes em hospitais e laboratórios especializados, especialmente no nível terciário de Atenção à Saúde. São as habilidades de comunicação verbais e não verbais, a capacidade de vínculo afetivo e as atitudes em relação aos usuários que melhoram a qualidade do atendimento e sua resolutividade.

O desafio no desenvolvimento de habilidades de comunicação se traduz na capacidade que temos de ser mais assertivos em nossas intenções terapêuticas. O primeiro passo é substituir a tradicional relação distanciada, aparentemente neutra e livre de afetos com o paciente, por níveis mais profundos de acolhimento e vínculo com as famílias. A relação se torna mais humanizada e horizontal por meio de falas, perguntas, posturas e gestos capazes de empatia e acolhimento, minimizando os lugares de poder historicamente instituídos no relacionamento entre profissionais de saúde e pacientes. Assim, os pacientes transformam-se em sujeitos.

Empregamos de 85% a 90% de nosso tempo de trabalho nos comunicando, e sabemos que a qualidade dessa comunicação aumenta a adesão ao tratamento, melhora o prognóstico, aumenta a satisfação e diminui denúncias e processos contra profissionais de saúde.

Certos questionamentos passam a fazer sentido:

  • O que é uma boa comunicação?

  • Do que precisamos para nos comunicar melhor?

  • Que aspectos da minha forma de me comunicar podem ser transformados para melhorar minha clínica?